sexta-feira, 25 de março de 2011

Lei de Incentivo vale?


Gostaria de pedir licença a um grupo que fez sucesso no ano 2000 e usar um trecho de sua música para fazer a introdução a esse texto: “analisando essa cadeira hereditária, quero me livrar de uma situação precária (bis). É que o rico cada vez fica mais rico, e o pobre, cada vez fica mais pobre. E o motivo todo mundo já conhece: é que o de cima sobe e o de baixo desce. (bis)” Bem, é uma amostra da nossa cultura musical que não evoluiu muito de lá pra cá (bons tempos em que a música ruim não era pior que as de hoje).

Provavelmente quem tiver mais de 20 anos se lembrará facilmente desse Axé que estourou no verão daquele ano mas que, engraçado, faz sentido até mesmo para a realidade da cultura brasileira! A Lei de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991), também conhecida como Lei Rouanet, foi criada, em termos gerais, com a intenção de incentivar a produção cultural no Brasil. Por meio dela, empresas que patrocinam projetos ligados a cultura têm desconto de igual valor em seu imposto de renda. Ótima intenção.

O que temos visto, porém, é a desvalorização da cultura por meio da valorização comercial da mesma, fazendo com que grandes empresa deem preferência somente aos artistas cujos projetos são aprovados pela lei, já são renomados e possuem potencial para veiculação na mídia. Afinal, nenhuma empresa é boazinha o suficiente para patrocinar sem uma contrapartida. E os novos artistas, tão talentosos ou mais que os priviligiados que conseguem recursos por meio dessa lei? Bem, esses ficam esquecidos de lado, afinal, não são rentáveis do ponto de vista comercial/institucional. E o nosso Ministério da Cultura, MinC pros íntimos, lavou suas mãos e deixou sob responsabilidade das nossas corporações privadas o direito de decidir o que o Brasil ouvirá, verá, lerá e assistirá. Nossa bagagem cultural está agora (e há um bom tempo) nas mãos de empresas que se outorgam de poder para decidir o que é bom ou ruim para o Brasil (e para eles, é claro).



No episódio mais recente à escrita deste post, necessariamente hoje – 16/03, foi divulgado que o MinC aprovou projeto da cantora Maria Bethânia que, para desenvolver o seu blog, precisará de uma verba de R$1,3 milhão(!!). Segundo seu projeto, recitará poemas diariamente em vídeo, por um ano, com produção de Andrucha Waddington. Sua justificativa para o valor do blog faz sentido, pois alega que o simples aluguel de equipamento para filmagem é muito caro. Ok. Não tenho nada a contestar a respeito da Maria Bethânia, mas quantos outros projetos de artistas ainda não renomados ficam obscurecidos por meio da aprovação desse projeto que indiretamente utilizará dinheiro público (impostos que deixarão de ser entregues ao governo federal) e que a sociedade deixará de conhecer. Como sempre, os patrocinadores optarão por artistas já conhecidos e deixarão uma pequena parcela de suas verbas para os novos, pequenos e fracos? Por que não oferecer melhores oportunidades aos artistas iniciantes que ralam com suas obras para ter um pouco de reconhecimento, ao invés de permitir e investir milhões àqueles que possuem outros meios para obterem recursos (se não próprios) e já possuem carreira estabelecida?

Enquanto a cultura brasileira é desvalorizada e submetida à baixa capacidade crítica dos mesmos, nossos valores culturais e históricos permanecerão a favor de interesses comerciais – por meio da lei ou não -, com direito a apresentações no Domingão do Faustão e Domingo Legal, raramente ultrapassando o limite de qualidade exigida para aparecerem nesses. Enquanto nosso próprio governo federal não for capaz de usar suas leis para incentivar e valorizar a cultura pela cultura e não pelo uso comercial, a nossa indústria cultural continuará a lançar Restart, Fiuk, Cine e cia., que moldarão os novos conceitos de valores e gosto da sociedade, deixando no fundo do lixo o que temos de melhor, que agora são considerados apenas como cult e cools. Bom Xibom, Xibom Bombom.

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